FRUSTRAÇÃO É PROBLEMA DOS PAIS

FRUSTRAÇÃO É PROBLEMA DOS PAIS

A infância é a fundação da vida. O solo onde pisaremos pelo resto dos nossos dias. Se o alicerce é frágil, toda a estrutura fica comprometida e pode precisar de reparos constantes.

Assusta perceber o quanto os poucos e preciosos anos da infância têm sido entregues aos interesses de terceiros. As crianças não nascem valorizando marcas, produtos e personagens, elas aprendem a valorizar. E isso vale bilhões. Quanto mais desconectadas da família e amigos, mais se tornam presas fáceis. Antes os valores eram herdados dos familiares, escola e comunidade, depois passaram a ser criados pelas propagandas de TV e hoje são construídos por modelos de comportamentos de consumo das redes sociais, a maioria enviesada por patrocínios milionários visando o poder de compra dos adultos ao redor e a fidelização de consumidores futuros. A atenção das crianças aos seus mestres virtuais é tanta que são estes que definem o que é e o que não é interessante e, por um tortuoso caminho invertido, pais e escolas são frequentemente surpreendidos pela viralização dos gostos e preferências dos filhos e alunos.

Vale lembrar que qualquer criança com menos de 12 anos, que tenha sua própria conta no TikTok, Instagram, Whatsapp, Facebook ou Spnachat necessariamente mentiu a idade para conseguir ter o próprio perfil. Os pais que não sabiam, agora sabem. E é com esse “jeitinho” de driblar as regras para conseguir o que quer, validado pelos pais, que estamos começando a construção de valores da nova geração de futuros adultos. Na economia da atenção, estamos doando o tempo e os likes das crianças aos algoritmos que estão minuciosamente estudando seu comportamento e usando neuro marketing para captar cada vez mais tempo e mais atenção.  Os dois itens mais valiosos e menos substituíveis que existem.

Hoje acatamos a “mentirinha da idade” para entrar na rede social, amanhã tentaremos usar o argumento da idade para direcionar o consumo de bebida alcoólica, experiências ao volante, entradas nas baladas e em motéis. A idade não permite? A gente dá um jeitinho! A gente faz isso desde os 6 anos!

Para quem acha que “é exagero”, existem inúmeras histórias sobre as consequências negativas da exposição não monitorada das crianças às redes sociais. Todos os dias, sem exceção, essas histórias chegam a qualquer um que de ouvidos a pais angustiados. Histórias que só vão aumentar em número e gravidade, por isso também é importante saber lidar com elas, mas pessoalmente já tive inúmeras provas de que falar sobre elas causa medo e culpa e dois sentimentos que não mudam o comportamento de ninguém. Pelo contrário, polarizam, entrincheiram e entristecem as pessoas.

Uma verdade incontestável que frequentemente cito frente a essas histórias é que nós pais, temos hoje e amanhã. Ontem não já temos mais. Portanto só podemos olhar com respeito e compaixão a tudo o que fizemos até aqui, por ter sido esse certamente o melhor que podíamos oferecer àqueles que mais amamos. Se você também teve o privilégio de enxergar oportunidade de melhorias, seja por qual motivo for, não faz mais sentido seguir num caminho que não possibilite mudanças. Mas existe outra verdade nisso tudo que merece ser dita. Não existe mudança sem sofrimento. Quem diz o contrário está mentindo, ou por falta de conhecimento ou por conflite de interesse.

O maior desafio parental do momento é enfrentar essa segunda afirmação. É principalmente nossa a tarefa de ensinar às crianças que as frustrações fazem parte da vida. Que sem autocontrole não se constrói nada, que sem saber esperar, nunca conheceríamos uma conquista. É nossa a tarefa de mostrar aos filhos que a vida real é muito mais desagradável do que agradável, muito mais desejo do que realidade e muito mais luta do que recompensa. E é essa vida real que dá sabor e cor aos momentos felizes e os fazem tão prazerosos. São tão bons porque são raros, são tão felizes porque são efêmeros e são tão desejados porque são escassos. O marketing sabe bem: escassez gera valor. As crianças vivem tentando esvaziar nossos bolsos em busca da figurinha mais rara, o brinquedo especial, o card supremo e vários outros itens que serão substituídos por mais e mais narrativas de marketing que os seguirão por toda sua vida. Por isso cabe a nós pais fazer o que os youtubers fazem tão bem, influenciá-los! Não para serem especialistas em consumo ou viciados em jogos online, mas pra serem críticos e reconhecer o que é valor e o que é desejo de consumo.

  Desde crianças nossos filhos têm direito de saber que é na busca que está a verdadeira alegria e não no resultado. Recompensas imediatas, felicidade constante e prazer contínuo desde cedo habituam o cérebro dos pequenos a níveis insustentáveis de prazer a longo prazo. E este é um dos caminhos sem volta da perigosa melancolia que tem rondado a vida de muitos jovens e justificado muitos processos autodestrutivos.

Nós pais nunca deveríamos evitar as frustrações dos filhos, pelo contrário, deveríamos viver com eles suas frustrações, apoiá-los nesses enfrentamentos, modular o stress que elas causam, ensinar ferramentas para torná-las mais curtas e menos intensas, amparar suas lágrimas e jamais, jamais evitar que elas caiam.

Hoje nossa missão é ajudá-los a suportar a espera pela idade certa para dançar na frente do TikTok, amanhã os apoiaremos a entender que nem todo amor é correspondido, depois de amanhã ficará mais fácil entender que que nem todo esforço é reconhecido, aceitar que a vida nem sempre é justa e que os sentimentos são passageiros, tanto os melhores quanto os piores.

A má notícia aos pais e mães é que ninguém mais fará isso por nossos filhos, essa obrigação é primariamente nossa. A boa notícia é que hoje é um ótimo dia para começar.